09 novembro 2005

LENDA DAS OBRAS DE SANTA ENGRÁCIA - III

— Que se passa? O meirinho sorriu ironicamente, ao responder: — Passa-se... que está preso em nome de El-Rei! — Preso? — Sim! E voltando-se para o outro homem que o acompanhava: — Tens a certeza de que é este o homem que procuramos? O outro respondeu: — Sim, senhor meirinho, é este mesmo. Chama-se Simão Pires e é cristão-novo. Não admira, portanto, que tenha feito o que fez! Simão olhava os homens com perplexidade. — Não compreendo! De que me acusam? O outro homem ia falar, mas o meirinho fez-lhe um sinal imperativo com a mão para que se calasse. E voltando-se para Simão: — Responda-me apenas a três perguntas. Primeira: andou ontem à noite com o seu cavalo rondando a igreja de Santa Engrácia? (4) Simão não respondeu logo. O meirinho insistiu. — Seja franco. Andou ou não? — Andei por ali... O outro homem sorriu. O meirinho continuou: — Segunda pergunta: o seu cavalo levava os cascos entrapados para não fazer barulho? Simão mordeu ligeiramente os lábios. Receava, não por si, mas por Violante. Todavia, o meirinho continuava insistindo: — Vamos! Responda só a verdade! Simão decidiu-se: — É verdade. O outro exultou: — Eu não dizia, senhor meirinho? Foi ele mesmo! O meirinho tornou dura a sua expressão. — Vamos, Simão Pires! Já agora, responda à terceira pergunta: que andava a fazer a essas horas junto da igreja de Santa Engrácia? Simão silenciou. Porém o meirinho tornou-se ainda mais duro: — Vamos! Exijo que responda! O jovem abanou a cabeça, numa negativa: — Não posso. — Não pode porquê? — Porque não devo. — Pois bem! Também eu não devo hesitar mais. Considere-se preso. — Porquê? — Bem sabe porquê!— Não sei!
(4) — IGREJA DE SANTA ENGRÁCIA — Igreja paroquial edifica¬da a S. O. do campo de Santa Clara. A esta igreja está ligado um roubo sacrílego cometido a 6 de Janeiro de 1630: o sacrário foi arrombado e roubadas partículas consagradas e o cálice de ouro e pedrarias. Para desagravo, projectou-se a construção de um novo templo, de maior grandeza. Mas quando a nova igreja estava quase concluída, ruiu a cúpula — por erro do arquitecto, ao que se diz. Em 1682 foi encarregado novo arquitecto do prosseguimento das obras, mas surgiram novas dificuldades na edificação da cúpula. Em 1816 ainda as obras prosseguiam, fazendo e desfazendo sem resultado. Mais tarde foi montada uma cobertura metálica, mas não se chegou a concluir a igreja. Só agora, decorridos 367 anos após a execução de Simão Pires, essas obras foram concluídas, destinando-se o templo a Panteão Nacional.
Amanhã continua …