07 novembro 2005

LENDA DAS OBRAS DE SANTA ENGRÁCIA - II

— Nunca o permitirei! — Mas ele insiste... — Se for necessário, hei-de raptar-te! Levar-te-ei para longe! — Seria a desonra para os meus! — Que pretendes então fazer? — Esperar! Deus velará pela nossa felicidade! — Esperar! Já começo a estar cansado! Tenho de agir! — E qual é a tua resolução? — Pedir-te que escolhas: obedeceres a teu pai e ficares aqui no con­vento... ou fugires comigo! A jovem noviça tapou o rosto com as mãos. Chorava silenciosamente. Simão impacientou-se: — Não te compreendo, Violante. Se realmente gostas de mim, não vejo motivo para tanta inquietação. A não ser que eu já nada represente para ti! Violante mostrou o seu rosto bonito coberto de lágrimas. E declarou com veemência: — Simão! Bem sabes como te amo! — Então porque hesitas? — Porque não devo decidir assim, sem reflectir. E suplicante: — Dá-me um prazo, Simão. Por pequeno que seja. Preciso de pensar! Simão respirou fundo, a ganhar calma. — Pois bem: amanhã à noite virei saber a tua resposta. Ela sorriu ainda por entre as lágrimas. — Está bem! Amanhã à noite ficará tudo decidido. Em baixo ouviu-se um tropel de cavalos que se aproximavam. Violante assustou-se: — Vai-te, Simão! Vem aí gente! Ele abraçou-a e segredou-lhe ao ouvido: — Até amanhã, meu amor! E desceu, rápido, a esconder-se na noite escura. A manhã sorriu à noite, que se afastou num passo cadenciado. Sorriu buliçosa, toda luz e cor. Simão dormia, mas foi também despertado. Não pelo sorriso fresco da manhã, mas pelo bater rude de alguém que gritava à porta da sua casa: — Abra em nome de El-Rei! (2) Simão vestiu-se com rapidez. Às pancadas fortes continuavam soando na porta. O jovem gritou: — Vou já!Quando a porta se abriu, dois homens entraram. Um deles era o meirinho. (3) Simão indagou, surpreendido:

(2) — EM NOME DE EL-REI — Expressão que no tempo da Monarquia era usada pelas autoridades no exercício da Justiça, e que a República substituiu pela expressão: Em nome da Lei. (3) — MEIRINHO — Antigo oficial de Justiça a quem era dado o direi­to de prender, penhorar e executar mandatos judiciais. Corresponde hoje ao oficial de diligências.

Amanhã continua …