— Pois vou avivar-lhe a memória. Há dias que tem andado a preparar o roubo sacrílego das sagradas partículas e dos cálices de ouro da igreja. E ontem efectuou esse roubo!
Simão sentiu-se verdadeiramente indignado. Bradou:
— É falsa essa acusação! Falsa e indigna! O outro apressou-se a intervir.
— Se é falsa, como explica o senhor que eu o tenha visto a cavalo, fora de horas, junto da igreja de Santa Engrácia? E ainda por cima com os cascos do cavalo entrapados!... Vamos, justifique-se!
Simão fechou os punhos. Depois levou uma das mãos ao rosto, que logo destapou para encarar o meirinho, afirmando com voz decidida:
— Juro que estou inocente! Deus bem o sabe! O meirinho cerrou as sobrancelhas.
— A sua jura não me serve. Ou diz o que fez ontem à noite, ou tenho de o prender.
— Já disse que estou inocente desse roubo indigno de um homem! Mas não posso dizer o que fazia ontem à noite junto da igreja de Santa Engrácia!
— Então... considere-se preso!
A recusa obstinada de Simão em confessar o que fizera na noite do roubo, embora negasse esse mesmo roubo, acabou por fazer acreditar o juiz da culpabilidade do réu. E Simão foi condenado à morte, apesar dos seus veementes protestos de inocência.
Quando o jovem se convenceu que já nada havia a fazer, todo o seu rompante se diluiu. A desgraça marcara-o. Não sabia, sequer, como reagir. Quando o último minuto soou, o meirinho acercou-se dele. A sua voz era quase carinhosa. Não compreendia bem porquê, mas custava-lhe a acreditar no gravíssimo pecado que imputavam a Simão.
— Vamos, Simão Pires! Chegou a tua última hora! Prepara-te para morrer!
Simão olhou-o numa expressão dolorosa.
— O tribunal, então, não me quis ouvir? O meirinho não lhe sustentou o olhar.
— Não, Simão Pires. O tribunal somente pode actuar diante de provas... e as provas são todas contra ti. Simão meneou a cabeça.
— O homem que me viu continua a afirmar que fui eu que roubei?
— Sim. É a principal testemunha de acusação.
— Pois que Deus me valha, já que nada mais posso fazer!
— Podes, sim!
— O quê?
— Confessar o que fizeste naquela noite...
— Prefiro morrer!
— E morrerás, Simão, morrerás!
Amanhã continua …
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